O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê incluir no pacote de contenção de gastos uma medida para assegurar a possibilidade de bloqueio das emendas parlamentares para cumprir o arcabouço fiscal. Isso seria feito em caso de alta nas despesas obrigatórias, como benefícios sociais.
Esse ponto constava no acordo de regulamentação dessas verbas, mediado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas foi excluído pelos congressistas durante a votação do projeto. A ideia é retomar a trava, limitada a 15% do valor das emendas, segundo integrantes do governo ouvidos pelo jornal Folha.
O envio do instrumento junto com o pacote de contenção de gastos é parte da estratégia do governo de transmitir a mensagem de que todos os segmentos darão sua contribuição para o ajuste das contas.
O grande receio é que o anúncio das medidas dê à população a impressão de que os cortes atingirão apenas benefícios sociais, o que poderia ter impacto negativo sobre a popularidade do presidente. Por isso, o Executivo tem focado também nas emendas, nas regras de proteção aos militares das Forças Armadas e nos subsídios concedidos a empresas.
Há ainda no governo quem defenda enviar também mudanças no Imposto de Renda, como a taxação dos super-ricos, mas essa possibilidade enfrenta resistências tanto do Palácio do Planalto quanto do Ministério da Fazenda, que quer concentrar as ações no lado das despesas.
Ainda está em discussão se a possibilidade de bloqueio das emendas será enviada em um projeto individual ou se constará nas iniciativas legais que já estavam em preparação. Segundo o ministro Fernando Haddad (Fazenda), o pacote deve incluir uma PEC (proposta de emenda à Constituição) e um projeto de lei complementar.
Integrantes do governo contrários à junção da proposta no mesmo texto das demais argumentam que isso poderia atrapalhar a tramitação. Os instrumentos legais utilizados serão fechados em reuniões técnicas nos próximos dias.
Embora o bloqueio das emendas acompanhe o pacote de contenção de gastos, o eventual ganho fiscal com a medida não integra as estimativas de economia, que ficam na casa de R$ 70 bilhões para 2025 e 2026.
Uma grande fatia da economia virá do pente-fino nos benefícios sociais, de acordo com integrante do governo a par das negociações.
Segundo um técnico do governo, qualquer economia obtida com a trava sobre as verbas parlamentares significará um “alívio extra” em relação aos impactos já calculados. Há ainda o reconhecimento de que não se trata de um corte estrutural de gastos, mas sim um ganho de flexibilidade na execução do Orçamento.
Para auxiliares de Lula, mesmo que o pacote contemple temas que podem soar mais polêmicos para o Congresso, onde exercem pressão grupos que representam interesses de militares e de empresários, a proposta deve ser aprovada sem dificuldade. A avaliação é que a adoção de medidas pontuais, em vez de reformas amplas, tendo todos os segmentos como alvo deve facilitar as negociações.
Há uma grande preocupação hoje no Palácio do Planalto com a comunicação do pacote, que tem grande potencial de gerar desgaste político a Lula a menos de dois anos das eleições presidenciais de 2026. Um interlocutor do presidente recorreu a uma metáfora para ilustrar a necessidade de conter gastos neste momento, como uma árvore que, para crescer e manter raízes fortes, precisa de poda.
Lula já havia sinalizado que a demora em anunciar o pacote tinha a ver com a noção de que todos os setores teriam de dar sua contribuição. “Se eu fizer um corte de gastos para diminuir a capacidade de investimento do orçamento, a pergunta que eu faço é, o Congresso vai aceitar reduzir as emendas de deputados e senadores para contribuir com o ajuste fiscal que eu vou fazer?”, disse à RedeTV no dia 6 de novembro.
“Os empresários que vivem de subsídio do governo vão aceitar abrir mão um pouco de subsídio para a gente poder equilibrar a economia brasileira? Vão aceitar? Eu não sei se vão aceitar”, acrescentou o presidente.
O anúncio oficial do pacote ficou para a próxima semana. Uma das principais medidas deve ser a limitação do ganho real do salário mínimo, com o objetivo de alinhar a política de valorização às regras do arcabouço fiscal —cujo limite de despesas tem expansão real de 0,6% a 2,5% ao ano.
Pela regra atual, o salário mínimo teria ganho real de 2,9% em 2025, conforme o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Em 2026, a alta seria de 3,3%, considerando as projeções oficiais para o crescimento neste ano. Em ambos os casos, a valorização supera o ritmo de expansão do arcabouço.
Limitar os ganhos reais do salário mínimo pode render uma economia de R$ 11 bilhões até 2026. A conta considera um aumento de 2,5% acima da inflação no ano que vem, no limite permitido pela regra fiscal, e de 2% em 2026, em linha com a expansão prevista para o teto de despesas naquele ano.
O pacote também deve incluir outras ações. O governo pretende fortalecer as ferramentas antifraude nos benefícios sociais, com foco na Previdência Social e no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Já a desvinculação de benefícios sociais em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartada. Alterar os pisos de saúde e educação também é considerado um “candidato fraco” pelos participantes das discussões e já foi rechaçado por ministros.
Outra mudança que deve ficar pelo caminho é a proposta de aumentar a fatia da complementação da União ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) no piso da educação. Hoje, essa fatia é de 30%, e havia defensores de ampliar para 60%. A medida teria potencial para reduzir as despesas não obrigatórias que o governo federal precisa fazer em educação para cumprir o mínimo constitucional. A leitura, porém, é que não há ambiente para cortar recursos dessa área.
Por outro lado, o governo deve mexer no abono salarial, espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada e que ganham até dois salários mínimos (hoje, equivalente a R$ 2.824).
O diagnóstico é que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais focado nos mais pobres. Reduzir o critério de concessão é “um desenho possível”, segundo um dos participantes das conversas.
Qualquer alteração no abono, porém, não surtirá efeitos em 2025 e 2026, pois o benefício é pago dois anos após a aquisição do direito. Isso significa que os trabalhadores que preencherem as regras vigentes em 2024, antes da mudança, só receberão o benefício em 2026.
Técnicos do governo consideram que esse é um direito adquirido, que não será subtraído pelas propostas. Por isso, as alterações no abono só devem ter impacto a partir de 2027.
O governo também pode incluir mudanças nas regras do seguro-desemprego, como a equiparação dos prazos para concessão do benefício. Hoje, o período de carência (tempo mínimo de trabalho para ter direito ao seguro) cai à medida que o trabalhador reincide na solicitação. Seria recomendável igualar os prazos, pelo menos, ou torná-los progressivos.
Fonte: Palavra Pb